O
ÁLBUM
Lançado
em 10 de junho de 1980 Bob Marley & The Wailers o álbum “Uprising” é o
décimo segundo disco e mais um grande sucesso no mundo inteiro. Foi o último
álbum de estúdio lançado com Bob Marley ainda em vida, este álbum é um dos mais
religiosos, com quase todas as músicas abordando a crença Rastafari, ele foi
gravado e lançado apenas onze meses antes da morte prematura de Marley de
câncer aos 36 anos.
Quer
Marley suspeitasse ou não que seu tempo estava se esgotando enquanto produzia
Uprising, sua declaração musical final foi um álbum carregado com uma
intensidade emocional incrível. Muito parecido com "Survival" lançado
antes dele, Uprising era uma coleção sagaz e séria de canções que exploravam
temas profundos. Ao ouvir com atenção o álbum, percebe-se atmosfera de Uprising
e o quanto Marley corria contra o tempo para não partir antes de concluir seu
legado.
As
gravações de Uprising iniciaram em janeiro e foram finalizadas em abril de
1980. Mas durante as gravações Bob Marley & The Wailers fizeram dois
intervalos. Em março de 1980, Marley e sua comitiva visitaram o Rio de Janeiro,
aqui no Brasil, a convite da gravadora alemã Ariola, que estava se instalando
no país. Marley e os Wailers foram muito bem recebidos no Brasil, jogaram uma
partida de futebol com artistas brasileiros como Chico Buarque, Toquinho, Alceu
Valença e funcionários da Ariola. À noite, foram os convidados especiais da
festa promovida pela Ariola, no Morro da Urca, no Rio de Janeiro. Vários nomes
consagrados da música brasileira estiveram presentes como Moraes Moreira,
Marina Lima, Simone, Baby Consuelo, Luiz Melodia.
Em
abril, Bob Marley & The Wailers fizeram um show antológico no Zimbábue
(antiga Rodésia) em comemoração da independência recém conquistada por aquele
país, após viver sob o domínio do Reino Unido. Como o país não tinha condições
de bancar o show e estrutura da banda, Bob pagou o transporte dos equipamentos
e outros gastos do próprio bolso. Sua apresentação era como um presente para
aquele povo. O show aconteceu para um público que lotou o Rufaro Stadium, na
cidade de Salisbury, que atualmente se chama Harare, capital do país. O convite
para Marley se apresentar lá se deveu por causa da canção “Zimbabwe”, do álbum
Survival, que o astro do reggae compôs e gravou com os Wailers em 1979, em
apoio à guerrilha, que desde 1964, estava em conflito contra o governo
ditatorial, racista e segregacionista da Rodésia. A canção tornou-se um hino de
liberdade daquele povo do Zimbábue. As finalizações do álbum Uprising
aconteceram naquele mesmo mês de abril.
O
álbum inicia com uma faixa “Comming in From The Cold”?, que apesar da letra
falar essencialmente sobre positividade com indagações como ‘quando uma porta
se fecha/sabia que muitas outras se abrem?’, a outros questionamentos, como
quando Marley sugere que o sistema divide o povo para mantê-lo cativo, como
expressado no trecho "Você deixará o sistema te fazer matar seu
irmão?" e "Você deixará o sistema dominar sua mente de novo?". O
sistema seria para Marley, o poder do opressor que dominava boa parte dos
países africanos, que nos anos 1970, alguns deles ainda eram colônias de países
europeus. O título sombrio da música introduz o álbum mais melancólico da
carreira do rei do reggae.
Em
seguida vem “Real Situation”, insinuando que o apocalipse estava próximo,
considerando que "A destruição total é a única solução”, citando exemplos
como nações que estão disputando territórios contra outras nações,
"Confira a verdadeira situação/Nação em guerra contra nação/Onde isso tudo
começou, quando vai ter fim?".
“Zion
Train”, faixa que abre o lado B da versão LP do álbum, faz referência bíblica
ao Monte Sião, que para os rastafáris, seria a “terra prometida”. Ao mesmo
tempo, “Zion Train” parece ser uma “canção de despedida”, um presságio de Bob
Marley à sua própria vida: “I gotta catch this train / Cause thee is no other
station / Then you going in the same direction” (“Tenho de pegar este trem /
Porque não há nenhuma estação / Então você vai na mesma direção”).
Em
“We And Dem”, apresenta um tom mais sombrio, era uma mensagem severa vinda
diretamente do Antigo Testamento: “Alguém terá que pagar pelo sangue inocente
que eles deixam cair todos os dias... / É o que a Bíblia diz...”
Ainda
mais lenta e sacramental foi a saudação de despedida ao Senhor de "Forever
Loving Jah", em que Marley cantou "Então, velho rio, não chore por
mim / Eu tenho um fluxo de amor correndo, você vê." As I-Threes fazem uma
bela participação no apoio vocal nesta faixa.
Marley
demonstrou interesse em explorar outras vertentes musicais que fossem além do
reggae, como o funk e o jazz. Como em “Work”, com guitarras desprendidas dos
riffs e mais soltas para explorar novas notas. Mas Bob não penetrou demais no
ritmo: nesta canção, por exemplo, não há uma forte presença dos metais, algo
característico do gênero popularizado por James Brown. Mas o baixo cria uma
dinâmica dançante quando se alia à percussão. É como se fosse um funk em
velocidade reduzida.
Em
“Could You Be Loved” onde o groove foi bastante explorado, uma das músicas mais
agitadas do álbum, Marley e os Wailers criaram a ponte necessária entre o ska,
o funk e o reggae jamaicano com seus compassos rápidos e vigorosos.
Duas
faixas interrompem as mensagens mais universalmente aplicáveis do álbum,
introduzindo um assunto mais pessoal e anedótico para o caso. "Bad
Card" alude à rixa entre Marley e seu empresário de longa data, Don Taylor,
que supostamente puxou uma "carta ruim" ao enganar seu cliente em uma
parte substancial de seus ganhos e ameaçando difamar a reputação de Marley ao
ser confrontado sobre seus métodos de fraude, "Espalhar propaganda sobre
meu nome / Digamos que você queira trazer uma outra vida à vergonha / Oh cara,
você está apenas jogando um jogo..."
O
anti-romântico “Pimper's Paradise” conta a história de uma prostituta
deslumbrada pelo mundo do prazer, das festas, do dinheiro, das drogas e do
glamour, que pode (ou não) ser uma referência velada ao relacionamento de
Marley com Cindy Breakspeare, como alguns chegaram a especular. Os versos do
refrão possuem um tom triste e melancólico.
Mas
a música que realmente definiu Uprising foi a faixa de encerramento
"Redemption Song". Marley pega emprestada a essência poética de Bob
Dylan e dá o conselho derradeiro àqueles que se entregaram de corpo e alma à
ideologia rastafari, é uma das composições mais emocionantes de Marley em seu
repertório abundante e um dos hinos de protesto mais eloquentes já escritos,
uma balada cantada e acompanhada apenas por seu próprio violão, era uma música
e uma performance diferente de todas as que ele havia gravado anteriormente.
Como grande recado, Marley afirma nesta canção que a nossa liberdade mental só
depende de nós mesmos.
O
início do segundo verso da música (“Emancipate-se da escravidão mental /
Ninguém além de nós mesmos pode libertar nossas mentes!”) é inspirado em um
discurso do pan-africanista nascido na Jamaica Marcus Garvey, cujas filosofias
de nacionalismo negro e empoderamento forneceram a base ideológica para o
movimento Rastafari. É como se Marley já tivesse se resignado com o destino
inevitável que o aguardava naquele momento, o refrão da melodia que diz
"Você não vai ajudar a cantar essas canções de liberdade? / Porque é tudo
que eu tenho / Canções de redenção” invoca os irmãos e irmãs a levar fielmente
suas mensagens em sua ausência.
O
álbum foi gravado no estúdio Dynamics em uma área industrial desolada perto de
Trench Town, foi produzido por Marley and the Wailers com orientação geral
firme de Chris Blackwell. Quando Marley apresentou a Blackwell as canções que
pretendia colocar no álbum, Blackwell o aconselhou a adicionar algumas músicas
para restabelecer o equilíbrio das muitas canções lentas e sérias. Marley
agradeceu, incluindo assim “Could You Be Loved” que se tornou o maior sucesso
do álbum e “Coming In From The Cold”.
No
decorrer da história, pode-se dizer que Marley realmente imaginou Uprising como
a peça central temática de uma trilogia de três álbuns, encerrada pelo
subestimado Survival de 1979 e Confrontation, lançado postumamente em 1983 como
uma compilação de material inédito.
Provavelmente
o álbum mais abertamente religioso do cânone do grupo, a maioria das canções do
Uprising são hinos inequivocamente piedosos que veneram a glória de Jah e a
santidade de Rastafari, enquanto explora os conflitos inerentes entre os mundos
espiritual e secular.
Mais
do que qualquer um dos trabalhos anteriores da banda, Uprising é um álbum
impulsionado por uma elevada introspecção e dualidade. Canções sanguíneas de
esperança que celebram a vida e o amor são justapostas a canções apocalípticas
de desgraça e tristeza que lamentam fatalisticamente os caminhos perversos do
mundo.
Mas
quer o tom seja intenso ou crédulo, a mensagem implícita parece ser de
perseverança em face da adversidade. A arte da capa do álbum exemplifica o
sentimento através de sua representação de um Marley fisicamente robusto e
mitológico erguendo-se, de braços estendidos em forma de “V”. Ao fundo, se vê
montanhas que seriam uma referência aos Montes Azuis, uma cadeia de montanhas
localizada na Jamaica, atrás das montanhas, um sol a raiar, como se
representasse o raiar de um novo momento que está por vir, e que desperta o
homem de dreadlocks para rebelar-se contra o “sistema babilônico” tão atacado
por Bob Marley em suas canções como “Babylon System”, faixa do álbum Survival.
Quando interpretado à luz da deterioração física que o envolvia na época do
lançamento do álbum, o visual também parece representar a vitalidade cultural
duradoura do espírito e da voz de Marley.
Alguns
singles ficaram de fora, como “Jungle Fever” e “Pray For Me” (lançados
posteriormente), mas ainda assim mantém viva a magia de ser o último resquício
fonográfico de um dos maiores músicos do século passado.
Uprising
servirá para sempre como uma manifestação magnífica de seu legado incomparável.
Em
maio de 1989, um mês antes do lançamento de Uprising, Bob Marley & The
Wailers partiram para turnê promocional do novo álbum.
Músicas
do álbum:
Lado
1
"Coming
in from the Cold"
"Real
Situation"
"Bad
Card"
"We
and Dem"
"Work"
Lado
2
"Zion
Train"
"Pimper's
Paradise"
"Could
You Be Loved"
"Forever
Loving Jah"
"Redemption
Song"
Gravadora:
Island Records (The Island Def Jam Music Group) / Tuff Going
Lançamento:
10 de junho de 1980
Continua...
Texto: Guilherme Turik
Pesquisa e fotos:
https://www.udiscovermusic.com
https://www.albumism.com
http://voiceofthesufferers.free.fr
https://www.concertarchives.org
http://veryrare.org
https://concerts.fandom.com
Deixe seu Comentário
Baita trampo meu irmão! Caramba ! Muito bom mesmo !